20 de dezembro de 2007

A grande solidão

Sozinhos nascemos. Sozinhos morreremos.
Assim é, assim sempre será.
E morrer, como todos sabem, é uma grande chatice. Algo que não se evita, infelizmente, nem malhando em academia e deixando de fumar. O ruim da morte é que evita a continuidade de nossos queixumes e esperanças.
Mas tem sim, uma coisa pior que a grande e afiada foice. É a morte em vida.
Aquela que permitimos, autorizamos, mas não deixamos rolar.
Me refiro, denuncio, essa morte estúpida e cotidiana de nada fazermos para romper a solidão. A minha, a sua, a de todos nós.
Custa pegar o telefone? Custa tanto assim abrir a porta? Custa algum dinheiro irmos ao encontro do outro?
Custa sim. Custa tanto que poucos fazem, preferindo se encapsular, como disse Fernando Pessoa, em sua própria cabeça.
Me refugio em meus pensamentos e excluo o Outro de meu mundo. Simples assim. Cruel assim. Meio masoquista, meio sádico.
Afinal, o Outro não me entende, compreende, me abraça.
Meus problemas são meus e ponto final.
Existe coisa mais estúpida que essa? Que tipo de animal somos nós que acha a solidão uma forma de defesa. Algum meteorito caiu sobre nossos genes e alterou nosso existir no mundo?
O que existe de tão terrível em abrir nossa alma, escancarar nosso coração, nos entregar a braços e corpos estranhos? Será que ser frágil e finito e humano é mesmo uma fraqueza?
Nós, esquisitos humanos, por meios culturais ou genéticos, conseguimos o que parecia impossível: sermos um organismo vivo que renega outro organismo vivo. Por isso colamos rótulos de inimigo na testa de quase todo mundo.
Mas a verdade é uma só e se sobrepõe a tudo: Se estou sozinho, estou morto. Orgulhoso zumbi.
É minha culpa, minha responsabilidade. Cabe a mim tomar uma providência já, agora. Será que sou capaz de fazer isso? Ou vou continuar esperando que o Outro tome a iniciativa?

Ulisses Tavares é o Outro, um cara igual a você. Idiota e solitário. Coisas de poeta.


TAVARES, Ulisses. A Grande Solidão. Revista Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, n. 128, p. 21, nov. 2007.

14 de dezembro de 2007

no title.


e na vitrola antiga tocando: eu quero que você se top top top...BOOOOM!
...porque ser mulher tem isso: mandar todo mundo se lascar sem nenhum motivo aparente.
e nem vem.

10 de dezembro de 2007

Doce pétala, se vá


Dos telefonemas no meio da madrugada
Do seu sorriso que me alegra a alma
Dos seus olhos que me fazem parar
De você enfim, doce pétala da flor mais bela
Tantas vezes a mim mesmo prometi
Que iria me esquecer de você
E, no entanto, ainda não consegui

Quando a outro você estende a mão
E por ele seus olhos cantam de alegria
Ou quando seu perfume insiste em me perseguir
E eu me dou conta que não é você que está ali
Eu sinto tudo isso dentro de mim. E dói, dói demais
E mesmo assim, você nem imagina
O mal que tudo isso me faz

Sei que preciso me afastar de você
Mas como, se você já mora dentro de mim?
Como no meio da dança abandonarei meu par?
Isso é tão difícil de aceitar que dói desde já

Mas, ao deixar as emoções de lado
E começar a pensar bem, chego à temida conclusão
De que tenho que, enfim, largar sua mão
Mesmo sendo você tudo que eu sempre quis
Porque, no fim, tudo que quero é te ver feliz

11 de novembro de 2007

é mesmo tudo sempre igual.





é sempre assim que as tardes de domingo terminam.
você sabe disso e já deveria estar acostumada mas não, ainda acredita que tudo será muito bonito e terminará muito bem.
acorde querida, contos de fadas não existem.

30 de outubro de 2007

oh.






tava no fundo da gaveta.
essa era a imagem que eu sempre guardei pra você.
se não fosse o tempo nem o bolor, hoje ela faria mais sentido.

7 de outubro de 2007

Soneto do pai mau poeta

A menininha observa o pai a trabalhar
Durante horas, trancado em seu aposento
Com a máquina sem parar um só momento
"Tec, tec, tec", na sala vazia a ecoar

Até que a menina, sem titubear
E com os olhos deveras curiosos
Ao perceber movimentos mais morosos
De seu pai, resolve lhe perguntar

- Pai, por que ficas nesta sala fechada?
Por que te escondes? Ela é tão fria!
Acaso és alguém de grande relevo?

- Qual! Filha, eu apenas escrevo
Passo o dia a escrever poesia
Sou mau poeta e mais nada

25 de agosto de 2007

Lado B.

Nada de ruim, nada de ruim.Como um mantra.
Me faltam braços, pernas.Me falta ar.
Queria estar aí, mesmo de certa forma já estando (mais do que deveria).



Então você me acha aqui.Sempre.

3 de agosto de 2007

Ai se Sêsse




Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se empariásse;
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pedro não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulice?
E se eu arriminasse
e eu cum tu insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse ?...
Tarvez que nós dois ficasse
Tarvez que nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôda fugisse

Ai Se Sêsse
Zé Da Luz (1904 - 1965)

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Ouça: Cordel do Fogo Encantado - Ai se Sêsse

2 de agosto de 2007

Saudade, meu remédio é cantar



Qui nem jiló

(Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga)



Se a gente lembra só por lembrar
De um amor que a gente um dia perdeu
Saudade entonce assim é bom pro cabra se convencê
Que é feliz sem saber pois não sofreu

Porém se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade entonce assim é ruim eu tiro isso por mim
Que vivo doido a sofrer

Ai quem me dera voltar
Pros braços do meu xodó
Saudade assim faz doer e amarga que nem jiló
Mas ninguém pode dizer
que vivo triste a chorar
Saudade, o meu remédio é cantar
Saudade, o meu remédio é cantar


Para ouvir esse clássico da música brasileira, clique aqui.

Uma pequena homenagem a Luiz Gonzaga, que, para nossa infelicidade, há exatos 18 anos falecia, e que sabia retratar bem o amor de um sertanejo.
Gonzagão, tu és imortal. Somos eternamente agradecidos por ter fortificado nossa identidade cultural.

Para mais informações acerca do Rei do Baião, acesse: www.luizluagonzaga.com.br.

23 de julho de 2007

eu sabia.

Eu sabia que você iria voltar.eu senti seu cheiro enquanto fechava o portão, naquela odiosa manhã ensolarada. o barulho dos carros me distraiu mas o seu cheiro estava no ar. eu sabia que você iria voltar. os sinais te entregavam mesmo se você não quissesse demonstrar.

eu sabia que você iria voltar, por isso arrumei sua cama. ainda pensei em deixar você dormir no colchão do lado da minha cama, mas preferi dormir abraçada, sentindo seu cheiro. sentindo seu braço pesado pesando sobre meus seios, pesando na minha respiração. os lençóis continuam limpos do jeito que você sempre pediu. seu travesseiro ainda é o mesmo. tive que colocá-lo ao sol pois o mofo estava tomando conta dele. não estranhe o cheiro de sol.

a casa continua a mesma. algumas coisas são novas, mas não estranhe, seu lugar continua intacto. eu continuo a mesma mas mudei, não estranhe. para você eu ainda sou a garotinha boba e ingênua mas para os outros eu finjo ser a garotinha boba e mais ingênua ainda. é, eu aprendi a jogar aquele velho jogo que você me ensinou. sou a melhor jogadora dele, ninguém suspeita do meu sorriso. mas você conhece como a palma da sua mão e sabe quando o meu sorriso é falso. apesar do jogo, você me conhece e me tem na sua mão.

agora seremos, eu e você. como nos velhos tempos, lembra? agora sou eu, você,meus pensamentos e quem sabe nossa música tocando,como na primeira vez que eu te vi e você me sorriu. aquela noite não será esquecida jamais. você me encontrou e desde este dia fomos um só. apenas um. apenas um mundo distante, guardado numa sala com fotografias antigas.

agora seremos como sempre fomos. até o momento que você partir outra vez. ou até o momento que eu te deixar partir e não ferir mais suas costas com minhas unhas, nem chorando, segurar suas pernas. e antes que você pise dentro de casa com seus sapatos enlameados eu quero que você saiba que eu sabia que você iria voltar. por isso, estou aqui a essa hora da noite, vindo te receber com um beijo. sei que você não me fará feliz enquanto ficar aqui, mas me trará paz. sei que você não me fará bem, mas não me fará mal. guarde meus beijos e entre, a casa ainda é sua, solidão.

2 de julho de 2007

eles dizem.

micaela diz:
não sei se acredito nesse tal amor.
vino diz:
tem cara de safado.
vino diz:
eu nunca o vi.
vino diz:
nunca o toquei.
vino diz:
mas pelo que dizem....
micaela diz:
deve ter bigodinho também....
micaela diz:
e mastigar um palito de dente no canto da boca.
vino diz:
deve ser orgulhosa, interesseira, indecisa... e achar que nós não prestamos, como se fosse a perfeição.
vino diz:
também.
micaela diz:
ele deve usar chapéu,deve olhar todas na rua.Deve cheirar cerveja e suor.Mas deve ter um sorriso único.
micaela diz:
a pele deve ser morena,queimada pelo sol.
micaela diz:
o suor deve cheirar perfume barato,mistura máscula,viril.Os dentes devem ser brancos.A boca vermelha.
vino diz:
dizem que ela tem um corpinho de erguer os pêlos quando por perto passa. deve ter aquele ar de superioridade, que te faz querer desistir de qualquer sonho na hora mesma.
mas te faz um bem que ninguém mais faz.
e dá uma saudade.
vino diz:
além da dor de cabeça, é claro.
micaela diz:
dizem que ele é alto.Os braços são fortes.Dizem que trabalhava com o pai.Dizem ainda que dança como ninguém.Segura a mulher,gira com ela no salão e quando a música termina,ela está perdidamente apaixonada.E não importa com quantos pretendentes ela esteja,só consegue enxergar ele.Dizem que ele é assim,único.Não há semelhante.
micaela diz:
ninguém que cheire igual.
micaela diz:
ninguém que dance igual.
micaela diz:
ninguém que nos olhe igual.
micaela diz:
por isso as mães proibem as crianças de viverem a sua época cedo demais.Elas querem poupar as flhas,desse bastardo,imbecil.....arrasador de coração de mães,filhas,avós.Ele não distingue idade.Apenas tem um único objeitvo: dilacerar corações.
vino diz:
olha, eu acredito que já vi essa tal de amor por aí um dia. não lembro, tava chovendo muito naquele dia.
e acredito até já ter trocado cartas com ela! juro!
não era bem com ela, confesso. eram cartas de uma amiga. ela não disse que eram palavras da tal de amor, mas eu sinto que era. você conhece esses meus sentimentos fortes.
senti que ela queria se comunicar comigo, mas sabia que era perigoso ser de forma direta. talvez eu não acreditasse, e dela desistisse de uma vez. então tentou por meio de sua amiga, por meio da carta... tentou me conquistar aos poucos. e eu caí direitinho. mas, eu só senti o que ela quis passar a meu coração, nunca consegui alcançá-la. quem sabe um dia.

diz que é fogo que arde sem doer.
diz que já uniu universos diferentes.
diz que consegue parar o tempo.
diz que te tira todo o medo do coração e te torna valente.
diz que te cega, ao mesmo tempo.
e diz que seu objetivo é dilacerar corações, mas eu duvido. ela não tinha cara disso - apesar da chuva, isso eu podia ver nitidamente.

30 de junho de 2007

Naomi e Goro - Vagamente



Se eu me lembro muito vagamente
Correndo você vinha quando de repente
Seu sorriso que era muito branco
Me encontrou

Se eu me lembro que depois andamos
Mil estrelas nós dois contamos
E o vento soprou de manhã
Mil canções

Se eu me lembro muito vagamente
Da tarde que morria quando de repente
Eu sozinho fiquei lhe esperando
E chorei

Se eu me lembro muito vagamente
O quanto a gente amou e foi tão de repente
Nem me lembro se foi com você
Que eu perdi meu amor

Se eu me lembro muito vagamente
Da tarde que morria quando de repente
Eu sozinho fiquei lhe esperando
E chorei

Se eu me lembro muito vagamente
O quanto amou e foi tão de repente
Nem me lembro se foi com você
Que eu perdi meu amor


Ismael Silva - É Bom Evitar


Amor, quanto menos ou nenhum é melhor
Porque só se vive a sofrer por amar
E quem pensar nisso hoje em dia, não terá alegria
É bom evitar

Desses carinhos não quero saber
Pra não andar só a me maldizer
É preferível viver com a paz
Porque se não faz bem, mal não faz

Amor, quanto menos ou nenhum é melhor
Porque só se vive a sofrer por amar
E quem pensar nisso hoje em dia, não terá alegria
É bom evitar

Não tenho nota nem faço questão
Mas tenho enfim muita satisfação
Com alegria estou muito bem
Muita gente quer ter e não tem

Desses carinhos não quero saber
Pra não andar só a me maldizer
É preferível viver com a paz
Porque se não faz bem, mal não faz

Amor, quanto menos ou nenhum é melhor
Porque só se vive a sofrer por amar
E quem pensar nisso hoje em dia, não terá alegria
É bom evitar

21 de junho de 2007

lição de casa.

x - pra quê rimar amor e dor acaba de entrar.
y diz:
porque são paralelos dependentes
y diz:
na realidade amor não envolve dor, mas sim paixão ou encanto.
x - pra quê rimar amor e dor diz:
e o que envolve dor?
y diz:
acontece que o que mais nos causa dor é a ilusão
y diz:
porque nos decepcionamos dentro de uma expectativa q nós mesmos criamos...
y diz:
se tivessemos em mente que todo ser humano é capaz e livre de tudo, não nos desapontariamos...
y diz:
e temos o grande absoluto erro de depositar nossa felicidade nos outros.
y diz:
quando alguem não nos faz feliz a gente sofre, mas quem tem q nos fazer feliz somos nós
y diz:
o outro é um complemento.
y diz:
lembre-se da frase...não prenda as borboletas...cuide bem do seu jardim que elas virão até você.

17 de junho de 2007

A coisa pior da vida




Rosa

Jackson do Pandeiro
Composição: Ruy de Moraes e Silva

"A coisa pior da vida
É querer bem à muié
A gente deita na rede
'Maginando por que é
Com tantas no mei do mundo
Só uma é que a gente quer."


Ouça: Jackson do Pandeiro - Rosa

12 de junho de 2007

e basta.


Porque amar é ir ao cinema de mãos dadas. Mas também é achá-lo lindo acordando com a cara amassada e cheio de remela. É gostar de estar junto só por estar junto: o amor não precisa de ações ou palavras. Amar é correr na praia deserta em slow motion. Mas também é ter medo. É ter dúvidas. É tentar concertar as coisas. Mas também é fazer tudo errado. É chorar ouvindo música de dor de cotovelo. É romper barreiras. É achar que vai dar tudo errado. Mas também é quebrar a cara e continuar tentando.



O amor não tem regra ou razão. Mesmo que dê tudo errado. Mesmo que dure pouco. Mesmo que nem comece. Ou que dure pra sempre. A única certeza é que, dentro de nós, temos todos os sonhos do mundo. Mesmo que eles não se realizem. Só esse desejo é suficiente. A graça está na viagem de ida, não só na chegada. Parece complexo, eu sei. Mas sua simplicidade está no sentir. Amar é amar e pronto. É assim, verbo intransitivo. E basta.

3 de junho de 2007

paradoxos.







E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói.

1+1=3





é como se houvesse muito espaço, movéis demais, espaço demais, luxo demais.
é como se houvessem cama longas e largas para abrigar os dois corpos.
é como se houvessem lençóis macios, travesseiros com pena de ganço da melhor qualidade.
como se o banheiro fosse largo, com tapetes e toalhas macias.
como se na sala houvessem três poltronas, três jornais, três baldes de pipocas, três filmes.
é como se naquele lugar houvesse espaço suficiente para vocês.






mas não.
um coração é apertado demais.
há cama, nem não há travesseiro.
os lençóis foram usados e já estão embolorados.
as paredes fedem a mofo.
a única poltrona tem rasgos, o gato solitário dorme nela toda a noite.
o tapete do banheiro é áspero, assim como as toalhas penduradas no box.
não limpo a casa, não abro a janela, não coloco flores e mesmo fazendo tudo errado, vocês continuam aqui.
estranhos.
amados.
estranhos.

22 de maio de 2007

Ferreira Gullar - OVNI





OVNI

(Ferreira Gullar)

Sou uma coisa entre coisas
O espelho me reflete
Eu (meus
olhos)
reflito o espelho

Se me afasto um passo
o espelho me esquece:
- reflete a parede
a janela aberta

Eu guardo o espelho
o espelho não me guarda
(eu guardo o espelho
a janela a parede
rosa
eu guardo a mim mesmo
refletido nele):
sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito

18 de maio de 2007

lembrete de um feliz aniversário.





" Existiria verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo
Iguais a você. "

5 de maio de 2007

Cantiga para não morrer




Cantiga para não morrer
(Ferreira Gullar)

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.


Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

2 de maio de 2007

pecados.


- Uma pergunta: é pecado uma mulher amar dois homens?
- Não sei.Mas acho que, no fim, pecado é não amar ninguém.

27 de abril de 2007

basta.




Paz, eu quero paz
Já me cansei de sera última a saber de ti
Se todo mundo sabe
quem te faz chegar mais tarde
eu já cansei de imaginar
você com ela
Diz pra mim se vale à pena, amor
A gente ria tanto desses nossos desencontros
mas você passou do ponto
e agora eu já não sei mais ...

Eu quero paz
Quero dançar com outro par pra variar, amor
Não dá mais pra fingir
que ainda não vias cicatrizes que ela fez
Se desta vez ela é senhora deste amor
pois vá embora, por favor
que não demora pra essa dor
sangrar.

22 de abril de 2007

Das Vantagens de ser Bobo

DAS VANTAGENS DE SER BOBO

Clarice Lispector
***


- O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo.

- O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

- Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

- O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem.

- Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.

- O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver.

- O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes o bobo é um Dostoievski.

- Há desvantagem, obviamente: Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era a de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro.

- Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.

- O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu.

- Aviso: não confundir bobos com burros.

- Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a frase célebre: “Até tu, Brutus?"

- Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

- Os bobos, com suas palhaçadas, devem estar todos no céu.

- Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

- O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.

- Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos.

- Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham vida.

- Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

- Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita o ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

- Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cimas das casas.

- É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector, 12 de setembro de 1970.

6 de abril de 2007

"Eu faço versos como os saltimbancos"

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
“Que tédio!” o coro dos Amigos clama.

“Mas que vos dar de novo e imprevisto?
Digo...e retorço as pobres mãos cansadas:
Eu sei chorar...Eu sei sofrer...Só isto!”

Mario Quintana
in Rua dos Cataventos.

5 de abril de 2007

O meu orgulho

Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera
Não lembrar! Em tardes dolorosas
Lembro-me que fui a primavera
Que em muros velhos faz nascer as rosas!

As minhas mãos outrora carinhosas
Pairavam como pombas… Quem soubera
Por que tudo passou e foi quimera,

E por que os muros velhos não dão rosas!

São sempre os que eu recordo que me esquecem…
Mas digo para mim: “Não me merecem…”
E já não fico tão abandonada!

Sinto que valho mais, mais pobrezinha:
Que também é orgulho ser sozinha
E também é nobreza não ter nada!


Florbela Espanca - A mensageira das violetas

Anoitecer

A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,
Tenho bênçãos de amor pra toda a gente!
E a minha alma, sombria e penitente
Soluça no infinito desta hora!

Horas tristes que vão ao meu rosário…
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Ó meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho…
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive…


Florbela Espanca - A mensageira das violetas

Crepúsculo

Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Pousam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes…

E os lírios fecham… Meu amor não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E a minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes…

O silêncio abre as mãos… entorna rosas…
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando…

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha.
Um coração ardente palpitando…

Florbela Espanca - A mensageira das violetas


30 de março de 2007

O Ébrio

O Ébrio
Vicente Celestino

Recitativo - Falado : Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da glória. Durante a minha trajetória artística tive vários amores. Todas elas juravam-me amor eterno, mas acabavam fugindo com outros, deixando-me a saudade e a dor. Uma noite, quando eu cantava a Tosca, uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor. Essa jovem veio a ser mais tarde a minha legítima esposa. Um dia, quando eu cantava A Força do Destino, ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta um adeus. Não pude mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo, me havia deixado um pedacinho de seu eu: a minha filha. Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar. Voltei novamente a cantar mas só por amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça, bonita... E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez A Força do Destino, Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio. Ébrio...


Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro meu abrigo
cada colega de infortúnio é um grande amigo
Que embora tenham como eu seus sofrimentos
Me aconcelham e aliviam o meu tormento
Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo que depunha fé
E nos parentes... confiava, sim!
E hoje ao ver-me na miséria tudo vejo então
O falso lar que amava e que a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, era um ladrão
Me abandonaram e roubaram o que amei
Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste e este triste coração
Quero somente que na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo



24 de março de 2007

"A sorrir, eu pretendo levar a vida"

O Sol Nascerá

Cartola

Composição: Cartola

A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida

Fim da tempestade
O sol nascerá
Fim desta saudade
Hei de ter outro alguém para amar

A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida




20 de março de 2007

De volta ao lar.




'...chega a hora então de provar tudo que existe
tire agora os sapatos
jogue tudo pro alto
sinta o chão
reaprender a andar descalço num mundo de asfalto e sem coração
até que o mundo gire ao seu redor...'




15 de março de 2007

Leia a bula,evite males.





O que diferencia o remédio do veneno?
A dose.

Radiografias.


a felicidade é como borboleta.
quanto mais você corre atrás,mais ela foge.
aí,um dia você se destrai e ela pousa em seu ombro.

8 de março de 2007

Parabéns.






Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo essa marca
Maria, Maria mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida.

3 de março de 2007

Silêncios.





Estem sim, me incomodam.Talvez porque eles consigam me matar lentamente.
Docemente.
Sequer posso ouvir as batidas do meu coração, bombeando o fluxo sanguíneo para o corpo.
Corpo?
Este, que já não se move, não pulsa, não respira.
Pra quê levantar da cama?
A chuva abaixa a temperatura esfriando o quarto.
Melhor ficar aqui, esperando o silêncio passar,esperando a vizinha colocar o blues na vitrola antiga.

24 de fevereiro de 2007

Valsinha

Valsinha

Chico Buarque

Composição: Chico Buarque / Vinicius de Moraes

Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava
[olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto,
[convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se
[usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se
[abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se
[ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

23 de fevereiro de 2007

Luz Negra

A seguir, uma canção de Nelson Cavaquinho, na voz da doce Nara Leão.

Luz Negra

Nelson Cavaquinho

Composição: Nelson Cavaquinho

Sempre só
Eu vivo procurando alguém
Que sofre como eu também
E não consigo achar ninguém

Sempre só
E a vida vai seguindo assim
Não tenho quem tem dó de mim
Estou chegando ao fim

A luz negra de um destino cruel
Ilumina um teatro sem cor
Onde estou desempenhando o papel
De palhaço do amor



21 de fevereiro de 2007

não tem título.


só tem cinzas de uma quarta-feira.
(antes fossem cinzas de cigarro, cinzas da fogueira da Inquisição, cinzas de um dia cinza.)
vai embora carnaval.
aqui,eu não quero mais você.

Just one more coffee.




How you ever felt like
all directions seem to lead us
to the same place?

20 de fevereiro de 2007

Garota de Ipanema - Tom Jobim e Vinicius de Moraes

Uma das músicas mais lindas de todo o mundo, cantada por dois gênios brasileiros: Vinicius e Tom. Encantadora e inspiradora de tantos outros músicos e de pessoas com amor no coração, essa canção não poderia ficar de fora do blog. Inclusive, nesse vídeo os dois mestres conversam sobre o momento em que criaram essa obra-prima. E tudo por causa do amor.



Vinicius e Tom, obrigado por deixarem o mundo inteirinho mais cheio de graça.
Vídeo gravado em Milão, na Itália.


15 de fevereiro de 2007

Seja um idiota.

A idiotice é vital para a felicidade. Gente chata essa que quer ser séria, profunda e visceral sempre. Putz! A vida já é um caos, por que fazermos dela, ainda por cima, um tratado? Deixe a seriedade para as horas em que ela é inevitável: mortes, separações, dores e afins. No dia-a-dia, pelo amor de Deus, seja idiota! Ria dos próprios defeitos. E de quem acha defeitos em você. Ignore o que o boçal do seu chefe disse. Pense assim: quem tem que carregar aquela cara feia, todos os dias, inseparavelmente, é ele. Pobre dele. Milhares de casamentos acabaram-se não pela falta de amor, dinheiro, sexo, sincronia, mas pela ausência de idiotice. Trate seu amor como seu melhor amigo, e pronto. Quem disse que é bom dividirmos a vida com alguém que tem conselho pra tudo, soluções sensatas, mas não consegue rir quando tropeça?
Alguém que sabe resolver uma crise familiar, mas não tem a menor idéia de como preencher as horas livres de um fim de semana? Quanto tempo faz que você não vai ao cinema? É bem comum gente que fica perdida quando se acabam os problemas. E daí, o que elas farão se já não têm por que se desesperar? Desaprenderam a brincar. Eu não quero alguém assim comigo. Você quer? Espero que não. Tudo que é mais difícil é mais gostoso, mas... a realidade já é dura; piora se for densa. Dura, densa, e bem ruim. Brincar é legal. Entendeu? Esqueça o que te falaram sobre ser adulto, tudo aquilo de não brincar com comida, não falar besteira, não ser imaturo, não chorar, não andar descalço, não tomar chuva. Pule corda! Adultos podem (e devem) contar piadas, passear no parque, rir alto e lamber a tampa do iogurte.
Ser adulto não é perder os prazeres da vida - e esse é o único "não" realmente aceitável. Teste a teoria. Uma semaninha, para começar. Veja e sinta as coisas como se elas fossem o que realmente são: passageiras. Acorde de manhã e decida entre duas coisas: ficar de mau humor e transmitir isso adiante ou sorrir... Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração! Aliás, entregue os problemas nas mãos de Deus e que tal um cafezinho gostoso agora? "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche".
Ailin Aleixo

12 de fevereiro de 2007

Me sentarei sozinha.





E farei um brinde a vocês.

6 de fevereiro de 2007

Samba e Amor, por Fernanda Abreu

Infelizmente não foi possível achar o próprio Chico Buarque cantando "Samba e Amor". Porém, achei essa versão lindíssima dessa bela música, na voz de Fernanda Abreu. Confiram:

Samba e Amor
Chico Buarque

Composição: Chico Buarque

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade que arde
E apressa o dia de amanhã

De madrugada a gente inda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama - reclama
Do nosso eterno espreguiçar

No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade - que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?

Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã

4 de fevereiro de 2007

Before Sunset


" - Achei melhor parar de romancear as coisas. Eu sofria muito. Tenho muitos sonhos que não têm nada a ver com a minha vida afetiva. Isso não me entristece, mas as coisas são assim.

- Por isso tem um relacionamento com quem nunca está por perto?

- Obviamente, não sei lidar com o cotidiano de um relacionamento. É emocionante. Quando ele viaja, sinto saudades... mas não morro por dentro. ter alguém sempre por perto me sufoca.

- Você disse que precisa amar e ser amada.

- Mas quando acontece, sinto enjôo. É um desastre! (risos)

- Só fico realmente feliz quando estou sozinha. Estar só é melhor do que sentir solidão ao lado de um amante. Para mim não é fácil ser romântica. Você começa assim mas depois de se dar mal algumas vezes, esquece seus devaneios e aceita o que a vida lhe dá. Não é verdade. Não me dei mal. Tive muitas relações sem graça. Não foram cruéis. Me amaram, mas não havia ligação nem emoção. Eu, pelo menos, não senti.


(...)


- Sabe o que? Para mim, realidade e amor são contraditórios. (...) O que significa isso? O amor da sua vida? O conceito é absurdo. 'Só nos completamos com outra pessoa'. É maquiavélico!

- Posso falar?

- Sofri demais e me recuperei. Agora, não faço força alguma. Sei que não vai dar em nada.

- Não dá pra viver evitando a dor à custa...

- Falar é fácil. Preciso sair daqui. Pare o carro. Quero descer."

2 de fevereiro de 2007

E para quem pouco conhece sobre Chico Science

O pernambucano Jornal do Commercio lhe preparou uma linda homenagem. Confiram na seguinte página:

Homenagem a Chico Science

Dez anos sem Chico Science

Não posso nem ousar escrever algo que represente a importância real que você tem pra mim. Mas sou teimoso.

Sinto você não apenas como um revolucionário, como um mestre, como um grande músico, mas sinto também como um irmão mais velho alheio à família que me fortalece o corpo e suaviza as quedas nas lutas que a vida nos exige.

Você, além de tantos outros mestres, mostrou ao país, mostrou ao mundo o que o nosso povo tem de especial, o quão genial podemos ser. Você me faz ter mais vontade ainda de gritar a todos os cantos de onde eu vim, a que gente pertenço, com qual cultura eu me identifico. Me deixa de cabeça erguida num lugar onde há tanta gente disposta a nos abaixar só pelo que somos. Você traz orgulho (no melhor sentido da palavra) a esse jovem já tão vazio de auto-estima. Você me faz pensar sobre os problemas dos meus irmãos, me dá força e me faz "sentir vontade de fazer muita coisa", enchendo-me de esperança sobre o dia de amanhã. E como se isso já não bastasse, ainda me faz sorrir e dançar, expressões mais sinceras do que nossas almas podem querer dizer.

Somos, somos, somos, somos, somos Mangueboys! Todos nós que sentimos a tua força, a tua presença, mesmo estando ausente já há 10 anos. Nós que te sentimos e te levamos para mais 10, 100, 1000 anos de existência, nós podemos sim gritar e dançar ao som de um ritmo cosmopolita. Um ritmo com batuque malucos dos malungos daqui, com guitarras e samplers de gente do outro lado do oceano.

Você é as notas que com grande pesar faltam aqui. Mas não importa, malungo sangue bom, nós que aqui ainda estamos, continuaremos tentando deixar tudo soando bem aos ouvidos, buscando nos momentos mais difíceis conselhos, ajuda e apoio nas grandes pessoas que conhecemos, como você.

Sou eternamente grato a você, Francisco de Assis França.

1 de fevereiro de 2007

Devaneios parte II.



" Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA. "




Desculpe Bandeira,mas eu sempre quis que Chico lesse este poema para mim.
E quem manda aqui,sou eu.
E hoje, quero ser Teresa.
E você, quer ser quem?

29 de janeiro de 2007

Origem da expressão "dor-de-cotovelo"

Li na seção "Dito e Feito" da revista Aventuras na História, ed. 42, deste mês de Fevereiro, uma curiosidade que achei muito interessante. Então, resolvi divulgá-la aqui.
Caso se interesse pela revista, compre-a (eu recomendo). Quer ver como ela é? Simples: www.aventurasnahistoria.com.br


"Ter dor-de-cotovelo":



Utilizada para designar o despeito provocado pelo ciúme ou a tristeza de se ter sofrido alguma decepção amorosa, a origem da expressão "ter dor-de-cotovelo" está na clássica cena de alguém sentado em um bar, com os cotovelos apoiados no balcão enquanto mexe uma bebida em um copo e chora o amor que perdeu.

A expressão, incorporada pelos dicionários de língua portuguesa, se difundiu graças ao sambista Lupicínio Rodrigues. Lupe, como era conhecido, foi um mulherengo incorrigível. Usou suas diversas desilusões amorosas como inspiração para compor. Ele costumava classificar sua dor-de-cotovelo em três categorias, conforme a intensidade: a federal, que sempre acabava em um porre; a estadual, suportável; e a municipal, que não rendia sequer um samba. Praticamente todos os sambas de Lupe mencionavam a dor-de-cotovelo.

Lívia Lombardo

25 de janeiro de 2007

Sintoma de saudade.




Arrisco-me a diagnosticar: sintoma de saudade.Lembranças que tomam contam da minha cabeça e desnorteiam meu agir.Eu sei porque isso tem acontecido.É que nos últimos tempos,o presente tem sido "meio de gregro".Sinto falta dos meus amigos como jamais senti.Sinto falta de colo,de afago,de proteção.Fico me protegendo atrás dessa mulher moderna e independente e acabo por me sentir muito longe daquilo que realmente sou.
Deveria,talvez,me sentir mal por estar me expondo dessa maneira...Poderia até sentir-me mal se não soubesse que a diferença entre mim e os outros é que eu sinto e falo e os outros sentem e calam.Eu estou um pouco cansada das responsabilidades que tive que assumir muito cedo.Queria mesmo é ter passado mais tempo sob os braços dos meus verdadeiros amigos.Até sinto saudade das brigas que só hoje fazem sentido.
Não é uma questão de fraqueza - é uma questão de "franqueza de fragilidade".Tenho meus medos que me perseguem e que me afligem pelo peso de escolher certo.Obrigo-me a sempre acertar e erro por insistir em acreditar nesse poder não humano.Queria ouvir opiniões,queria apoio nas minhas decisões.Sinto-me sozinha para decidir sobre tanto de tudo...
Exijo-me a ser correta,exijo-me a perfeição.Tenho acabado meus dias esgotada de tanta tensão.Talvez esteja sentindo isso por ter me acostumado a ouvir o próximo longe do que eu realmente desejava...Diante disso,assumir o meu desejo poderia ser um sofrimento.Desaprendi a saber o que realmente representa o que quero porque tudo ficava tão misturado que minha individualidade desaparecia no meio de tanta gente.
A saudade que me aflige é da forma como as coisas eram encaradas,da simplicidade como já resolvi meus problemas e da comodidade de ter meus amigos disponíveis para o que desse e viesse.Tenho saudade da minha vida criança onde minhas preocupações giravam em torno do que faríamos à tarde quando as aulas já haviam terminado e a turma se reunia.
Sintoma de saudade é dor no peito,é choro fácil.É sonhar um reencontro,é acreditar que para isso o tempo voe.Estou numa reforma interior e isso requer muita paciência para quebrar o que impede a mudança e reconstruir novas pontes.Entretanto, olhar para os lados tem sido doloroso pelo vazio da saudade daqueles a quem amo...
Sintoma de saudade é ouvir músicas que relembram épocas,é sentir cheiros que nos carregam emoções,é reviver cenas.Pego-me reservando minutos do dia para dedicar-me a esses momentos que não voltam,mas me levam para o "bem passado"....
Sintoma de saudade é imaginar que a cada dia um dia tenho a menos.É lembrar que a velhice é certa e que não há negociação com a idade.Sintoma de saudade é de dor adoecida pela falta da presença,pela falta da falta.Sintoma de saudade causou em mim a doença da solidão.


Cristina Hahn.
Foto por: Teresa Sá.

24 de janeiro de 2007

Minha Namorada (Vinicius de Moraes)

Minha Namorada

Vinicius de Moraes

Composição: Vinicius de Moraes / Carlos Lyra

Meu poeta eu hoje estou contente
Todo mundo de repente ficou lindo
Ficou lindo
Eu hoje estou me rindo
Nem eu mesma sei de quê
Porque eu recebi
Uma cartinhazinha de você

Se você quer ser minha namorada
Ai que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer
Um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê

E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida ‚ nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem de ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois

-------------

E, de brinde, a música tocada por Aderbal Duarte:




Magnífico!

22 de janeiro de 2007

Alma Errada

Há coisas que a minha alma, já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há... e quem é que hoje faz questão de virgindades...
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até
que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do
[Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido...

(Mario Quintana)

18 de janeiro de 2007

Devaneios.




"Para mim não importa a hora em que tu chegas em casa, no entanto que chegues bem. Não me importa saber com quem andas, mas sim que esses saibam te fazer sorrir. Me importo com a tua alimentação, com tuas noites não dormidas, com os teus horários. Não há importância para mim nos teus atos, desde que eu sinta que todos eles te realizam. E juro que não me importo de parecer assim a tua mãe. Me importo em te fazer feliz quando estamos juntos e não te fazer chorar quando vou embora. É importante ter certeza do teu bom dia. É importante não esquecer de te dar boa noite. É importante olhar para trás É importante não prometer. É importante cuidar de ti, querer o teu bem, proteger-se. É importante tomar decisões. É importante retirar dúvidas. É importante poder respirar. Não me parece importante o que os outros saibam, somente que tu compreendas. Com grande importância que te tenho aqui... assim. Nunca foste o mais importante, foste o único .
Importante para o coração, nos finais de semana, para curar. Importante na hora de tirar as dúvidas, de viver um bom momento, para existir. Tão importante que eu aprendi, vivi, te amei. Tão importante ao ponto de mais nada importar. Tão importante e capaz de entender que também sou importante. Vê, tu foste importante, és importante, serás importante pra sempre."

16 de janeiro de 2007

"Carinhoso", interpretada por João Gilberto

Uma obra-prima. Uma maravilha divina. Música composta pelo mestre Pixinguinha e pelo recentemente falecido Braguinha, que usava o pseudônimo "João de Barro" para que seu pai não o reconhecesse. Vale a pena vermos esse vídeo quantas vezes forem necessárias.

Carinhoso

(Pixinguinha e João de Barro)

Meu coração
Não sei porque
Bate feliz, quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim, foges de mim
Ah! Se tu soubesses
Como sou tão carinhoso
E muito e muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor
Dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar esta paixão
Que me devora o coração
E só assim então
Serei feliz, bem feliz

Se o poeta falar num gato


Se o poeta falar num gato, numa flor,
num vento que anda por descampados e desvios
e nunca chegou à cidade...
se falar numa esquina mal e mal iluminada...
numa antiga sacada... num jogo de dominó...
se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam
[de verdade...
se falar na mão decepada no meio de uma escada
de caracol...
Se não falar em nada
e disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poemas são de amor!

(Mario Quintana)

14 de janeiro de 2007

Viciado em pensar

"Sou viciado em pensar. Penso besteira, mas penso."

- Ferreira Gullar, há alguns minutos atrás, em uma entrevista a Roberto D'ávila, na TVE Brasil.

13 de janeiro de 2007

besteira qualquer,eu nem choro mais.





Insônia.
O que me incomoda não é estar acordada numa madrugada de sexta-feira, enquanto o mundo ferve lá fora.Não é a cama ter um tamanho fora do normal e eu estar me mexendo nela de forma incessante , como se houvessem mil agulhas a furar meu corpo cansado.
O café frio já não tem sabor e não faz sentido levantar daqui e ir fazer um novo café , mais forte , encorpado.Café nenhum faria esses pensamentos desaparecerem.Talvez uma tequila fizesse.Talvez um filme interessante na televisão fizesse.Talvez se eu parasse de pensar e caísse num sono intenso , tudo ficasse melhor.
O que me incomoda não é escutar a gata no cio , gritando na rua vazia.Nem os bêbados cantando melodias baratas e antigas.Na verdade , bendito sejam os bêbados que saem as ruas e declaram seu amor a janelas desconhecidas , procurando a sua amada.Eu no auge dos meus vinte e um anos , deveria embriagar-me e ir até a sua porta ou janela , bater violentamente contra ela e dizer que você pode ficar com meus movéis, com meus objetivos para a vida , com meu cachorro , com aquela blusa velha.Você pode ficar com meus sonhos , com minha escova de dente , com meu computador , meus cd's , minhas cartas com inúmeras histórias e contas a pagar.Você pode ficar com todo meu patrimônio , com tudo o que conquistei ,contanto que devolva meu pensamento.Eu deveria esticar o dedo na sua cara , falar de forma grossa , deveria arrancar meus cabelos e dizer que vou esquecer esse seu maldito sorriso que acelera meu estúpido coração.Deveria dizer ainda mais que eu só caí nesse seu joguinho por pura piedade.Não foi nenhum sorriso , nenhum abraço , sequer um beijo doce no rosto que fizeram eu entregar minha essência a você.Eu deveria dizer isso e ainda cuspir na sua cara e dizer que a essas alturas do campeonato ,você só foi mais um.
Eu deveria.
Eu disse bem,eu deveria.
Mas prefiro aproveitar essa melodia triste , embriagar-me de um vinho barato ,olhar o céu escuro.Prefiro voltar a deitar na cama cheia de agulhas.Prefiro pensar que um dia,tudo vai ser diferente.
Mesmo que não seja.
"...vida não há sem dor."

10 de janeiro de 2007

Confissão De Cabôco










CONFISSÃO DE CABÔCO
Seu doutô, sou criminoso.Sou criminoso de morte.
Tou aqui pra mim intregá.
Voimicê fique sabendo:
- Quando a muié traz a sorte
De atraiçoá o isposo
Só presta para se matá.
Nunca pensei, seu doutô
Qui a mão nêga do distino,
Merguiasse as minhas mão
No sangue dos assarcino!
Vô li pidí um favô
Ante de vossamercê
Mim butá daqui pra fora:
- É a licença do doutô
Pr'eu li contá minha histora.
Sinhô dotô delegado,
Digo a vossa sinhuria
Qui inté onte fui casado
Cum a muié qui im vida
Se chamô ROSA MARIA.
Faz dez mês qui se gostemo,
Faz oito qui fumo noivo
Faz sete qui nós casêmo.
Nós casêmo e nós vivia
Cuma pobre, é verdade,
Mas a gente se sentia
Rico de filicidade!
Pras banda qui nós morava,
No lugá Chã da Cutia,
Morava tombém um cabra
Chamado Chico Faria.
Esse cabra, antigamente,
Tinha gostado de Rosa,
Chegaro, inté a sê noivo,
Mas num fizero a "introza"
Do casamento, prumode
Mané Uréia de bode,
Qui era padrim de Maria
Tê dismanchado essa prosa.
Entoce, o Chico Faria,
Adispois qui nós casêmo,
In cunversa, as vez dizia,
Qui ainda mi dava fim
Pra se casá cum Maria.
Dessa coisa eu sabia,
Mas nunca dei importança.
Tinha toda cunfiança
Na muié qui eu tanto amava,
Ou mais mió, adorava...
Cum toda a minha sustança!
Dispois disso, o meu custume
Era vivê trabaiando
Sem da muié tê ciume.
A muié pru sua vez
Nunca me deu cabimento
Deu pensá qui ela fizesse
Um dia um farcejamento.
Mas, seu doutô, tome tento
No resto da minha histora,
Qui o ruim chegô agora:
Se não me farta a mimora,
Já faz assim uns três mêis,
Qui o cabra, Chico Faria,
Todo prosa, todo ancho,
Quage sempre, mais das vêz,
Avistava o meu rancho.
Puralí, discunfiado
Como quem qué e não qué,
Eu fui vendo qui o marvado
Tentava a minha muié.
Ou tentação ou engano,
Eu fui vendo a coisa feia!
Pru derradêro eu já tava
C'a mosca detrás da uréia.
Os tempo foi se passando
E o meu arriceiamento
Cada vez ia omentano.
Seu dotô, vá iscutano:
Onte, já de tardezinha
O meu cumpade, Quinca Arruda,
Mi chamô pra nós dança
Num samba - lá na Varginha,
Na casa do mestre Duda.
Mestre Duda é um cabôco,
Um tocado de premêra.
É o imboladô de côco
Mió daquela rebêra.
Entonce Rosa Maria,
Sempre gostou de samba,
Mas, porém, de tardezinha
Me disse discunfiada,
Qui pru samba ela não ia,
Qui tava munto infadada,
Percisava se deita...
Eu fiquei discunfiado
Cum a preposta da muié!
Dispois qui tomei café,
Cuage puro sem mistura,
Cum a faca na cintura
Fui pru samba, fui sambá.
Cheguei no samba, dotô.
Repare agora, o sinhô,
Quem era qui tava lá?
O cabra Chico Faria.
Qui quano foi me avistando,
Foi logo mi preguntando:
- Cadê siá dona Maria,
Num veio não, pra dançá?
- Não sinhô. Ficô im casa.
Pru cabôco arrispondí.
Senti, entonce uma brasa
Queimano meu coração,
Nunca mais pude tirá
As palavra desse cabra
Da minha maginação.
Perdí o gosto da festa
E dançá num pude não.
O cabra, pru sua vez
Num dançava, seu doutô.
De vez im quando me oiva
Cum um oiá de traidô.
Meia noite, mais ou meno,
Se dispidino do povo
Disse: - Adeus, qui eu já vô.
Quando ele se arritirô,
Eu tombem me arritirei
Atraiz dele, sim sinhô.
Ele na frente, eu atrais.
Se o cabra andava ligêro,
Eu andava munto mais!
Noite iscura qui nem breu!
Nem eu avistava o cabra,
Nem o cabra via eu!
Sempre andando, sempre andando.
Ele na frente, eu atrais.
Já nem se iscutava mais
A voz do fole tocando
Na casa do mestre Duda!
A noite tava mais preta
Qui a cunciênça de Judá!
Sempre andando, sempre andando.
Eu fui vendo, seu doutô,
Qui o marvado ia tumando
Direção da minha casa!
Minha casa!... Sim sinhô!
Já pertinho, no terrero
Eu mim iscundí pru detraiz
De um pé de trapiazêro.
Abaixadim, iscundido,
Prendi a suspiração,
Abri os óio, os ouvido,
Pra mió vê e ouvi
Qua era a sua intenção.
Seu doutô, repare bem:
O cabra oiando pra traiz,
Do mermo jeito, qui faiz
Um ladrão pra vê arguém,
Num tendo visto ninguém,
Na minha porta bateu!
De lá de dentro uma voiz
Bem baixim arrispondeu...
Ele entonce, cá de fora:
- Quem ta bateno sou eu!
De repente abriu-se a porta!
Aí seu doutô, nessa hora
A isperança tava morta,
Tava morto o meu amô...
No iscuro uma voiz falô:
- Taqui, seu Chico, essa carta,
Qui a tempo tinha iscrivido
Pra mandá pra voismicê.
Pru favô num leia agora,
Vá simbora, vá simbora,
Qui quando chegá im casa
Tem munto tempo pra lê.
Quando minhas oiça ouviu,
As palavra qui Maria
Dizia pru disgraçado,
Eu fiquei amalucado,
Fiquei quage cuma loco,
Ou mio, cumo um cabôco
Quando ta chêi de isprito!
Dum sarto, cumo um cabrito,
Eu tava nos pés do cabra
E sem querer dei um grito:
- Miserave! E arrastei
Minha faca da cintura.
Naquela hora dotô,
Eu vi o Chico Faria,
Na bêra da sipurtura!
Mas o cabra têve sorte.
Sempre nessas circunstança
Os home foge da morte.
Correu o cabra, dotô
Tão vexado, qui dêxou
A carta caí no chão!
Dei de garra do papé,
O portadô da traição!
Machuquei nas minha mão,
A honra, douto, a honra
Daquela farsa muié!
Dispois oiando pra carta
Tive pena, pode crer,
De num tê prindido a lê.
Nas letra alí iscrivida
O qui dizia Maria
Pru marvado traidô.
Tive pena, sim sinhô.
Mas, qui haverá de fazê
Se eu nunca prindí a lê?
Maria mi atraiçuô!
Essa muié qui um dia,
Juêiada nos pé do artá
Jurou im nome de Deus
Qui inquanto tivesse vida,
Haverá de mim honrá
E mim amá cum todo amo.
Cum perdão do seu doutô.
Quando eu vi a miserave
Na iscurideza da noite
Dos meu oio se iscondê
Sem dêxá nem sombra inté
Entrei pra dentro de casa
Pra mi vingá da muié.
Douto, qui hora minguada!
Maria tava ajuêiada,
Chorando, cum as mão posta
Cumo quem faz oração.
Oiando pra eu pedia,
Pelo cali, pela osta,
Pru Jesus crucificado,
Pelo amo qui eu li amava
Qui num fizesse isso não.
Eu tava, doutô, eu tava
Cego de raiva e paixão.
Sem dizê uma palavra,
Agarrei nas suas mão,
Levantei ela pra riba
E interrei inté o cabo,
O ferro da parnaíba
Pru riba do coração!
Sarvei a honra, doutô,
Sarvei a honra, apois não!
Dispois qui vi a Maria
Caí sem vida no chão,
Vim fala cum vosmicê,
Vim cunfessá o meu crime
E mim intregá as prisão.
Se o sinhô num acredita
Se eu sô criminoso ou não,
Tá aqui a faca assarcina
E o sangue nas minhas mão.
Cumo prova da traição,
Tá aqui a carta, doutô.
Li peço um grande favô:
Ante de vossa-sinhuria
Mi mandá lá para prisão
Me lêia aqui essa carta
Pr'eu sabê cumo Maria
Perparava essa trição!
A CARTA
"Seu Chico:
Chã da Cutia.
Digo a vossa senhoria
Que só lhe escrevo essa carta
Pru senhor ficar sabendo
Que eu não sou a mulher
Que o senhor tá entendendo.
Se o senhor continuar
Com os seus disbiques atrevidos
O jeito que tem é contar
Tudo, tudo a meu marido.
O senhor fique sabendo
Que com seu discaramento,
Não faz nunca eu quebrar
O sagrado juramento
Que eu jurei nos pés do altar,
No dia do casamento.
Se o senhor é inxirido,
Encontrou u'a mulher forte,
O nome do meu marido
Eu honro até minha morte!
Sou de vossa senhoria,
Sua criada.
MARIA."
- Doutô! Doutô mi arresponda
O qui é qui eu tô ouvindo?
Vosmicê leu a carta,
Ou num leu, ta mi inludindo?
- Doutô! Meu Deus! Seu doutô,
Maria tava inucente?
Me arresponda pru favo!
Inocente! Sim, senhor!
Matei Maria inucente!
Pru que, seu doutô, pru que?
Matei Maria somente
Pruque num aprendi a lê!
Infiliz de quem num leu
Uma carta de ABC.
Magine agora o doutô,
Quanto é grande o meu sofrê!
Sou duas veiz criminoso,
Qui castigo, seu doutô!
Qui mizera! Qui horrô!
Qui crime num sabê lê!